sábado, 16 de janeiro de 2010

Quando a chuva cai...


Adoro dias chuvosos. Das noites, gosto ainda mais. Adoro dirigir à noite, na chuva. Há tempos que preciso trocar os limpadores do meu carro. Mas como só me lembro disso quando está chovendo, e costuma chover quando estou saindo do trabalho – horário em que todas as autopeças estão fechadas –, o resultado é um par que não funciona lá essas coisas. Entretanto, confesso que parte de mim adia tanto quanto possível essa troca. Isso porque, por estarem com as borrachas ressecadas, os limpadores não levam toda a água que se acumula sobre o pára-brisa. Sempre sobra uma umidade que faz tudo o que vejo mostrar-se sem a nitidez que lhe é peculiar. O mundo, num instante, torna-se uma obra impressionista. Um Monet com tons pastéis substituídos por tonalidades mais vibrantes: o amarelo indiferente das lâmpadas no alto dos postes, o vermelho gritante dos freios nos carros a minha frente, a negritude do asfalto irregular. Tudo entrecortado pelo varrer ritmado dos limpadores ressecados. Frames de um filme que já assisti dezenas e dezenas de vezes com a mesma sensação de expectativa que me acompanhava ao vê-lo pela primeira vez. O mesmo prazer insano e insaciável das inúmeras músicas que já passei dias e noites ouvindo ininterruptamente. Como se nenhuma outra canção houvesse para meus ouvidos que aquela. A única melodia que eu pudesse reconhecer. O que dizer? Sou intensa. Se gosto, gosto. E muito. Me entrego. Como àquele que prometo me entregar a cada noite solitária, regada a lambrusco, como esta. Ao preço insignificante de uma mão cheia de dedos, entrelaçados pelos cachos do meu cabelo, que gentilmente inclinam um pescoço vulnerável e ansioso por lábios famintos que alcancem meu ouvido em um intervalo de tempo suficiente para me fazer esquecer sobre o que falávamos. Adoro noites chuvosas. Dos pensamentos que me trazem, gosto ainda mais.

Comigo é no fio do bigode


Dia desses estava almoçando com um amigo querido – muito querido – quando lhe fiz uma promessa:

- Volto a postar no meu blog, – eu disse a ele – se voltar a se dedicar a seu livro.

É importante ressaltar que se trata de um escritor brilhante, que realizou uma pesquisa fantástica para uma obra memorável, da qual compôs apenas alguns capítulos. Outrossim, destaco que anseio pelo dia em que colocarei os pés em uma livraria e me direcionarei imediatamente à prateleira onde ficam expostos os livros mais vendidos para comprar meu exemplar, mesmo que o preço para isso seja reativar um blog adormecido há mais de dois anos – após a escolha de uma carreira que, infelizmente, bloqueou uma pessoa que depende dos textos que escreve para viver.

Fato é que mesmo não sendo contemporânea das práticas contratuais baseadas no fio do bigode, fui criada pela minha mãe – que, apesar de não ter bigode, honra as promessas que faz como quem veste calças. “Quer dever, prometa”, já dizia meu caro Lenine.

Como pessoa de promessas desacreditadas que me tornei, nada posso fazer senão vir por meio deste cumprir o combinado – que não é caro. Orgulhar minha mãe antes de mais nada, é certo. Mas também desprender esforço algum, se comparado à grandiosidade e à nobreza deste ato, que resultará em nada menos que uma das obras mais aguardadas pelo reles mortais que se prostram ao talento deste escritor nato, que há de se provar perante este singelo registro de uma promessa indecente – como em todo contrato em que o proponente se favorece de um jeito ou de outro.

É ganhar, ou ganhar. E, de quebra, provar que não há escolha profissional que seja capaz de calar uma mente desejosa de repostas e um coração incapaz de bater senão pela sincronia com dedos que dançam livres e destemidos com o único propósito de trazer à vida uma folha em branco.